sexta-feira, 8 de maio de 2015

Política: razão ou fé?

Um dos mais conhecidos ditos populares, ao menos no Brasil, é que “política, religião e futebol não se discute”. Não sei se é o “proibicionismo” que excita, mas o fato é que sempre achei muito interessante discutir sobre os três temas.

Claro que quando falamos de religião, devemos ter a plena consciência que estamos mergulhando num tema aberto, sem limites e cujo objeto central circunda os elementos da fé. Em outras palavras, é prudente ter sempre em mente que religião se ocupa do crer (fé), e não propriamente do saber (razão).

Por isso é que podemos afirmar que a discussão religiosa é dogmática e dispensa a cientificidade. Não se prova a existência ou a não existência de Deus. Isto é algo que não pode ser mensurável, não pode ser falseável.

Partindo desta premissa, o cristão, hindu, islão, ateu, etc., sejam eles agnósticos ou dogmáticos, poderiam discutir em paz — algo ainda bastante distante do que vemos nos debates pelo mundo afora — suas teorias, suas crenças e suas expectativas de fé.

Futebol, assim como a religião, envolve paixão e, pelos mesmos motivos — quase sempre dogmáticos — as discussões descambam para debates hilários ou completamente desprovidos de razão. Além disto, acrescenta-se a subjetividade a respeito das interpretações das arbitragens nos jogos e temos o cenário perfeito para o caos.

Claro que existem os críticos e os fãs do esporte que, mesmo possuindo um clube pelo qual torça, sabem se posicionar de forma bastante crítica e racional. Mas estes são quase sempre exceções. Independente disto, quase sempre nas rodas de amigos e nas mesas de bares, as discussões são mais apaixonadas do que racionais.

Já a política, por outro lado, sempre me atraiu mais nas discussões porque pertence muito mais ao campo da filosofia e da ciência do que os outros dois temas. Pois se faz a política embasado em determinados posicionamentos ideológicos e essa pluralidade de opções é que torna o cenário ainda mais rico e fértil para boas e sadias conversas.

Infelizmente, assim como no futebol e na religião, a grande maioria dos cidadãos encara a política não como uma questão de razão, mas sim como uma questão de fé. A incapacidade de se discutir racionalmente a respeito de política me faz ver que a democracia só é boa para uma pequena parcela dos que se veem representados no poder.

Neste ponto, é notável como as pessoas são ignorantes — no sentido de ignorar ou desconhecer — tanto aos preceitos a respeito de correntes político-ideológicas quanto ao que tange a (im)probidade administrativa e os atos de corrupção praticados pelos agentes.

Vemos todos os dias nas redes sociais e nos editoriais de jornais e revistas, embates entre os defensores da direita e da esquerda que se esquecem que defendem um posicionamento cuja identificação é pessoal e não torna a outra corrente inepta, errada ou ainda malvada e opressora. Ser de direita não é ser fascista e ser de esquerda não é ser comunista, mas tentar elucidar este ponto de vista é como jogar palavras ao vento.

Posicionamentos político-ideológicos são salutares e fazem parte do processo dialético que engrandece a democracia e o Estado de Direito. Privatizar ou estatizar, a título de exemplificação, sempre serão ações que irão possuir prós e contras.

Mas enquanto ainda somos capazes de encontrar pontos e argumentos bastante interessantes, calcados em fundamentos teóricos ou em dados empíricos nestas discussões, embora com frequência cada vez menor, por outro lado, quando falamos das figuras públicas que representam (em tese) essas ideologias, aí vemos que a razão é abandonada de uma vez por todas e passa a valer a fé.

A fé cega.

É fácil ver como as pessoas declaram apoio ou repúdio tão somente com base na fé.

Para ilustrar melhor, eu poderia partir do cenário geral e e chegar aos casos particulares (dedutivo), mas vou optar pela via oblíqua (indutiva).

Trabalho há alguns anos em inquéritos e investigações que visam apurar atos de improbidade administrativa. Neste período, presenciei cerca de 200 procedimentos administrativos, muitos deles, cerca de 31%, convertidos em ações civis públicas, uma média maior do que os índices nacionais e estaduais (no Brasil cerca de 22% dos inquéritos são convertidos em ações, enquanto que na Região Sul, este índice cai para 19%). [2]

Em quase todos os casos — de ajuizamento de ação ou de arquivamento por outros motivos (denúncia improcedente ou irregularidade sanada sem dano ao erário), o juízo de valor técnico-jurídico do promotor de justiça é precedido e procedido pelo juízo de valor midiático, pessoal e passional. E estes são reverberados à exaustão.

A cada nova ação ou arquivamento, chovem manifestações de apoio ou repúdio de pessoas que sequer têm menor conhecimento do objeto apurado, das provas colhidas e das manifestações exaradas!

Isto mesmo: grande parte dos indivíduos se digladiam nas redes sociais embasadas tão somente no “achismo” e na empatia (ou antipatia) que tem com seus candidatos. Não buscam nem procuram fazer consultas (quase a totalidade dos procedimentos e das ações são públicas) mas mesmo assim ressonam pontos de vista elaborados sob medida, como a nada original desculpa da perseguição ou favorecimento político, por exemplo, para justificar uma ação ou um arquivamento.

Ao adotar um determinado candidato ou uma determinada sigla partidária, me passa a impressão de que muitos cidadãos são “batizados” e passam a estar intimamente ligados com estas figuras, tal qual um torcedor com o seu clube, ou um crente com sua religião, blindando-se às críticas negativas e vociferando às cegas contra os “adversários” políticos.

Por mais que me apeteça discutir política, futebol e religião, a intolerância e/ou a ignorância tem me impulsionado a me manter em silêncio cada vez mais, para manter o tênue clima de paz. Mas, “se paz sem voz, não é paz, é medo”, que flua este desabafo.

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[1] Texto originalmente publicado no Medium.

[2] Dados extraídos da “ANÁLISE DOS DADOS FUNCIONAIS ENVIADOS
PELAS UNIDADES DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM 2008.” do Conselho Nacional do Ministério Público — www.cnmp.mp.br