É muito comum, ao olharmos para a situação da nossa segurança pública, como brasileiros, e compará-las as de países de primeiro mundo. E, quando pensamos em alguma solução, a primeira coisa que pensamos é em “mudar a lei”. Embora exista situações em que a legislação é falha e que realmente precisa ser alterada, essa visão costuma ser, na minha opinião, quase sempre equivocada. Mas vamos explicar por partes.
Primeiramente, antes de qualquer opinião, quero deixar bem claro que acredito que nós, humanos, somos todos iguais (na medida das suas desigualdades, claro). Não é a cor da pele, formato do nariz ou a religião que se segue (ou que não se segue) que vai determinar seu caráter ou a sua capacidade. Este ponto de partida é crucial para compreender todo o restante. Mas logo mais se entenderá bem o porquê desta nota preliminar.
A respeito da segurança pública – e aí entra também a questão da maioridade – é necessário dizer que contamos (isso tanto no Brasil quanto no resto do mundo) com basicamente duas forças policiais – a repressiva e a investigativa. Uma, visa impedir futuros crimes ou então combatê-los, durante a sua realização. A outra é a investigativa, que tem por objetivo desvendar os autores e os motivos do crime, e levar os culpados à justiça para que sejam devidamente processados. Claro que, em algum ponto, a investigativa também acaba prevenindo crimes, porque tira de circulação criminosos que podem vir a ser reincidentes.
No entanto, nem aqui, nem no Japão, USA, Alemanha ou Dinamarca, a Polícia conseguirá impedir todos os crimes de acontecer. Principalmente quando alguém quiser realmente cometê-lo. E isto é uma anotação simples e inquestionável, pois não há, em lugar nenhum do planeta, civilização que tenha um policial por habitante, vigiando-o 24 horas por dia.
Se eu quiser matar alguém, eu consigo. Ficar impune ou não ser descoberto, é outro assunto. Mas o fato é que, estamos sim e sempre estaremos à mercê da vontade alheia. Se alguém quiser me assaltar, essa pessoa vai conseguir, cedo ou tarde, porque eu tenho consciência de que não há meios do Estado se fazer presente em todos os locais o tempo todo.
No entanto, ainda que conscientes de que elas têm essa faculdade de cometer tais crimes, as pessoas, via de regra, se comportam da forma adequada, seja por medo de uma futura punição, seja por valores morais ou, ainda por seu estado social. Usei a expressão via de regra porque, no pior dos piores cenários, não mais de 10% de uma população será criminosa.
Resumindo: nenhum país impedirá todos os crimes de acontecerem – desde os atentados terroristas, maridos que matam esposas, assaltos à mão armada aos muros pichados. O que um Estado pode fazer é ser eficiente em prevenir ou, depois de acontecido, descobrir e elucidar esses crimes e, ainda, lidar com o criminoso de forma adequada.
E porque as pessoas cometem crimes? Essa discussão é muito profunda, abstrata, e demandaria um compêndio de livros sobre psicologia, sociologia, antropologia, criminalística, filosofia e outras ciências para chegarmos à um conceito ou um rol de motivações. Mas há, nitidamente, uma diferença muito grande nos índices de criminalidade do Brasil e de países de primeiro mundo. E não é coincidência, mas há, também, uma grande diferença nos índices sociais e de IDH entre esses mesmos países.
É notável a correlação entre a qualidade de vida de uma sociedade e os seus índices de criminalidade. Países em que o Estado ou a sociedade são sadios e podem oferecer melhor qualidade de vida aos seus habitantes sempre terão melhores índices de segurança pública.
Isto porque, em tese, as pessoas são melhores educadas, mais conscientes e possuem menos necessidades não supridas. É por tal razão que existem poucos assaltos, roubos e homicídios nestes países. É por isso que estes países só enfrentam crises de segurança quando algum alucinado entra em uma escola e mata professores e alunos – crime que não tem sua origem na condição social ou cultural, mas quase sempre associados a problemas psicológicos ou psiquiátricos. Mas veja, nem nestes países é possível prever e impedir tal crime.
Novamente resumindo, é notável que as condições sociológicas, culturais e educacionais refletem diretamente na potencialidade de um indivíduo vir a ser criminoso. Neste ponto é que encontramos a diferença entre um país como o Brasil e a Dinamarca, por exemplo. Qual a possibilidade de um brasileiro pobre vir a ser criminoso? Baixa, claro, mas ainda assim muito maior do que a de um dinamarquês pobre.
Lembra quando eu comentei que as pessoas são “todas iguais”? Eu lhe pergunto, aplicando um exemplo simples: uma criança nascida no Brasil e que é levada ainda bebê para a Dinamarca e lá criada como um dinamarquês, vai refletir, em sua vida adulta, que percentagem de probabilidade de vir a ser um criminoso?
Claro que não somos inferiores, enquanto humanos, aos dinamarqueses. Um brasileiro criado lá refletirá os padrões sociais de lá. Porque somos matéria do mesmo barro. Mas enquanto sociedade ainda estamos deixando muito à desejar.
E o que isto tem a ver com a maioridade penal?
A diminuição da maioridade penal vem sendo vendida como uma forma de atenuar ou diminuir a criminalidade na sociedade brasileira. Mas se olharmos bem para a origem dos nossos problemas, veremos que o “medo” e as “penitências” que o Estado dá aos já maiores não ajudam, em nada, na política de prevenção do crime. Se um maior, mais consciente, comete o crime da mesma forma, porque não um adolescente, mais inconsequente, vai deixar de cometer?
Pois não é o medo, não é a cadeia que vai impedir um crime. Nada impede um crime. Mas se tivermos uma política que melhore a qualidade de vida, diminua as necessidades não satisfeitas, é que começaremos a ter melhoras nos índices de criminalidade.
Aliás, em muitos dos países mais desenvolvidos as penas são mais brandas que no Brasil, e a criminalidade é muito baixa, o que mostra que a relação punição-prevenção não funciona como o prometido.
O que vai solucionar os problemas é oferecer aos nossos jovens educação, saúde, e oportunidade de crescer culturalmente, financeiramente, espiritualmente, psicologicamente e filosoficamente, para que o crime não seja visto como uma alternativa viável para se conseguir satisfazer as suas necessidades. Isto porque, se alguém quiser cometer um crime, sabemos que ela conseguirá. Precisamos é combater os motivos pelos quais as pessoas cometem crimes. Nossos jovens são tão capazes quanto os jovens dinamarqueses. Só falta aos nossos, aquilo que lá eles tem.
Ao diminuir a maioridade penal, o Estado estará deixando de lado o combate à causa da criminalidade, para fornecer aos jovens que cometem infrações ainda mais motivos e razões para continuar no mundo do crime.
Por fim, apesar de todo o exposto, eu não concordo com a maioridade penal aos 18 anos. Mas também não concordo com ela aos 16, 12, etc... Na verdade, eu sou contra a existência de um critério de idade para a imposição da imputabilidade. Assim como ocorre com a presunção de violência no estupro – uma relação sexual, mesmo que consentida, com um menor de 13 anos é considerado estupro – a idade nem sempre dirá o quão consciente é uma pessoa, o quanto ele tem capacidade de discernir, compreender. Isto é um conjunto de fatores educacionais, sociais, dentre outros.
Ao meu ver, sempre que acontece um crime, durante o trâmite do processo penal, além da autoria e da materialidade, em uma determinada faixa de idade, como dos 14 aos 20, por exemplo, a capacidade deveria ser igualmente investigada, pois há, sim, adolescentes com 16 anos que tem plena consciência da ilegalidade da sua conduta, enquanto há outros, com 18 que não tem a mesma noção. Aplicar-se-ia a imputabilidade, semi-imputabilidade e a inimputabilidade caso à caso. Mas isto é a questão da responsabilização apenas. A questão da execução da pena deve continuar mantendo adolescentes separados do sistema carcerário dos adultos. Mas essa discussão fica pra outra hora.