sexta-feira, 22 de maio de 2015

Homenagem - Rubens Luiz Sartori

Baseado no artigo científico, escrito em prosa, pelo Advogado, Jurista, Promotor de Justiça, Radialista, professor, escritor e poeta, Dr.  Rubens Luiz Sartori, chamado "Abordagem sobre a criminalidade e redução da maioridade penal", cuja tese foi inscrita no Seminário Estadual “Ministério Público: a construção de uma identidade”, ocorrido em setembro de 2013. 

Logo após a inscrição, Dr. Rubens Sartori veio a falecer, vítima de um AVC, e sua tese foi defendida, in memoriam, pelo Promotor de Justiça Marcos José Porto Soares. Na ocasião, optou-se por "converter" a tese, escrita em prosa, para a forma de poema, em estrofes organizadas em quadras, o estilo mais utilizado pelo jurista em manifestações judiciais, razão pela qual ganhou notoriedade em jornais e revistas nacionais.

A "conversão" ficou por minha conta (Tássio), e confesso que a dificuldade foi imensa, pois não é e nem nunca foi um dom, hobby ou mesmo uma prática minha a confecção de poemas e versos. O maior cuidado foi em manter a essência da ideia original, inscrita no seminário. No final da postagem, deixo o link da gravação amadora da declamação bem como o link para o conteúdo da tese original.


Há alguns dias, em outra semana
Lá em Campo Mourão
A sabedoria veio à paisana
De chapéu e chimarrão

Na visita nos questiona
O que acha do raciocínio?
Ouvimos atentos como funciona
E em poema, patrocínio

Abordagem sobre a criminalidade
e redução da maioridade penal;
Porque nos crimes a tenra idade
É sempre um debate atual.

Responder antes dos dezoito
Por um crime praticado
Pra uns, argumento afoito
Para outros, justificado

Sem dinheiro e educação
Sempre à margem da sociedade
Injusta seria a tipificação
Com os infratores uma impiedade

De boa-fé discutem os defensores
Sem nunca precluir
Por isso apresento aos senhores
O argumento a seguir

A questão etária é importante
Mas o mundo está diferente
Para a maturidade do meliante
A idade é mais um elo na corrente

Cultura e conhecimento
Também delimitam o cognoscente
Importa muito o discernimento
Seja ele adulto ou adolescente

Hoje tudo é mais evoluído
Ciência e Internet, a rede mundial
Há muito jovem instruído
Não há fronteiras na rede social

O crime, uma ação pessoal
Também reflete essa evolução
Se é uma atividade mental
Estudar o cérebro é a solução

Ao longo da humanidade
Nunca se discutiu amiúde
Devemos sair da ingenuidade
E pesquisar com amplitude

Não confunda com Lombroso
Autor de “O homem delinquente”
Um livro deveras tenebroso
Já superado e incongruente

Desejava mostrar a essência
Mas não ia além do preconceito
Pois julgava que a aparência
Revelava a alma do sujeito

Depois desta ideia superada
O sistema criminal punitivo
Iniciou uma busca desesperada
De recuperar e ser educativo

O que vemos hodiernamente
Predomina no sistema penal
Algo imposto gradativamente
Que não foca o aspecto mental

O crime é uma expressão da mente
Seja por “volutas”, ou pela doença
Toda a ação do delinquente
É do cérebro uma sentença

Se homem age normal
É a mente que impulsiona
Para o bem ou para o mal
É o cérebro que leciona

Mas se o cérebro não é bem feito
Inocente é o rapaz
A medicina dá o conceito
E o chamamos de incapaz

Devemos olhar com firmeza
Se o cérebro é saudável
Para auferirmos com certeza
Se o indivíduo imputável

Se penso, logo existo
Quem não domina seu pensar
Deve ser bem quisto
Mas incapaz de professar

Mas há homens no enredo
Que pensam de maneira normal
Mas que escondem um segredo
Na estrutura cerebral

Um novo tipo de raciocínio
Vem a ciência prosperar
Pois nem todo assassínio
Nós podemos recuperar

Partir do pressuposto:
“Não doentes mentais”
Vai nos trazer o desgosto
Pois não são todos iguais

Pois muitos são os pensares
De cérebros com higidez
Mas ideias não salutares
Devem ser vistas com rigidez

Nem todos os seres são iguais
Mesmo que ainda conscientes
Menores que maltratam animais
Podem ter problemas inerentes

Doutora Ana Beatriz Barbosa
Psiquiatra expoente
Escreveu uma obra valorosa
Cujo tema é pertinente

Mentes Perigosas:
O Psicopata mora ao lado
Pessoas geniosas
Que portam um mal velado

A psiquiatria nos leciona
O que vem ser psicopatia
Como seu cérebro funciona
A falsa empatia

Não possui remorso e arrependimento
Parece ter prazer em fazer o mal
Sua mente tem pleno discernimento
Como devolvê-lo ao meio social?

Estes seres não tem idade
Nem apego emocional
Possuem uma maldade
Que não se cura em hospital

Infelizmente é insensata
A fé e a esperança
Na cura de um psicopata
Que é mal desde criança

Caráter, de origem helênica
Significa marca gravada
A maldade psicogênica
No cérebro está sulcada

Não decorre do convívio social
A psicopatia do delinquente
Os médicos dizem que é cerebral
Devemos ter isso bem ciente

Deve portanto o direito
Buscar mais que a idade
Analisar friamente o sujeito
Averiguar sua incolumidade

Não se trata somente de entender
E do entendimento se determinar
É a maldade inata compreender
Para um psicopata se sentenciar

Ele sabe o bem e o mal
O errado e o certo
Entende o direito penal
Pois é muito esperto

Só com o real diagnóstico
Poderemos ter a dimensão
Aplicarmos o prognóstico
Aos que agem com perversão

É para este o horizonte
Que o direito deve se voltar
Tentar cruzar a ponte
E com a medicina fomentar

Somar sempre à idade
A capacidade e sapiência
E além da aparente sanidade
O cérebro em sua essência

Como mais um lado do prisma
A idade deve ser vista
Para não incorrer em sofisma
Nem ser falso moralista

É filosofia e religiosidade
Prejudiciais ao aspecto penal
Porque mascaram a realidade
Com a vã esperança fraternal

Este é apenas um testemunho
Uma crítica ao sistema
Uma ideia escrita à punho
Convertido em poema

Portanto o texto original
Escrito em prosa à priori
É deste jurista genial
Doutor Rubens Sartori
Um gigante promotor
Ad causam et honori



A Assessoria de Imprensa do Ministério Público emitiu nota da defesa/homenagem.

Quem preferir assistir a declamação feita no Seminário, gravada por uma câmera amadora, basta acessar este link. A declamação começa por volta dos 11 minutos.

Por fim, quem quiser ler a tese original, em prosa, pode fazê-lo neste link.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Política: razão ou fé?

Um dos mais conhecidos ditos populares, ao menos no Brasil, é que “política, religião e futebol não se discute”. Não sei se é o “proibicionismo” que excita, mas o fato é que sempre achei muito interessante discutir sobre os três temas.

Claro que quando falamos de religião, devemos ter a plena consciência que estamos mergulhando num tema aberto, sem limites e cujo objeto central circunda os elementos da fé. Em outras palavras, é prudente ter sempre em mente que religião se ocupa do crer (fé), e não propriamente do saber (razão).

Por isso é que podemos afirmar que a discussão religiosa é dogmática e dispensa a cientificidade. Não se prova a existência ou a não existência de Deus. Isto é algo que não pode ser mensurável, não pode ser falseável.

Partindo desta premissa, o cristão, hindu, islão, ateu, etc., sejam eles agnósticos ou dogmáticos, poderiam discutir em paz — algo ainda bastante distante do que vemos nos debates pelo mundo afora — suas teorias, suas crenças e suas expectativas de fé.

Futebol, assim como a religião, envolve paixão e, pelos mesmos motivos — quase sempre dogmáticos — as discussões descambam para debates hilários ou completamente desprovidos de razão. Além disto, acrescenta-se a subjetividade a respeito das interpretações das arbitragens nos jogos e temos o cenário perfeito para o caos.

Claro que existem os críticos e os fãs do esporte que, mesmo possuindo um clube pelo qual torça, sabem se posicionar de forma bastante crítica e racional. Mas estes são quase sempre exceções. Independente disto, quase sempre nas rodas de amigos e nas mesas de bares, as discussões são mais apaixonadas do que racionais.

Já a política, por outro lado, sempre me atraiu mais nas discussões porque pertence muito mais ao campo da filosofia e da ciência do que os outros dois temas. Pois se faz a política embasado em determinados posicionamentos ideológicos e essa pluralidade de opções é que torna o cenário ainda mais rico e fértil para boas e sadias conversas.

Infelizmente, assim como no futebol e na religião, a grande maioria dos cidadãos encara a política não como uma questão de razão, mas sim como uma questão de fé. A incapacidade de se discutir racionalmente a respeito de política me faz ver que a democracia só é boa para uma pequena parcela dos que se veem representados no poder.

Neste ponto, é notável como as pessoas são ignorantes — no sentido de ignorar ou desconhecer — tanto aos preceitos a respeito de correntes político-ideológicas quanto ao que tange a (im)probidade administrativa e os atos de corrupção praticados pelos agentes.

Vemos todos os dias nas redes sociais e nos editoriais de jornais e revistas, embates entre os defensores da direita e da esquerda que se esquecem que defendem um posicionamento cuja identificação é pessoal e não torna a outra corrente inepta, errada ou ainda malvada e opressora. Ser de direita não é ser fascista e ser de esquerda não é ser comunista, mas tentar elucidar este ponto de vista é como jogar palavras ao vento.

Posicionamentos político-ideológicos são salutares e fazem parte do processo dialético que engrandece a democracia e o Estado de Direito. Privatizar ou estatizar, a título de exemplificação, sempre serão ações que irão possuir prós e contras.

Mas enquanto ainda somos capazes de encontrar pontos e argumentos bastante interessantes, calcados em fundamentos teóricos ou em dados empíricos nestas discussões, embora com frequência cada vez menor, por outro lado, quando falamos das figuras públicas que representam (em tese) essas ideologias, aí vemos que a razão é abandonada de uma vez por todas e passa a valer a fé.

A fé cega.

É fácil ver como as pessoas declaram apoio ou repúdio tão somente com base na fé.

Para ilustrar melhor, eu poderia partir do cenário geral e e chegar aos casos particulares (dedutivo), mas vou optar pela via oblíqua (indutiva).

Trabalho há alguns anos em inquéritos e investigações que visam apurar atos de improbidade administrativa. Neste período, presenciei cerca de 200 procedimentos administrativos, muitos deles, cerca de 31%, convertidos em ações civis públicas, uma média maior do que os índices nacionais e estaduais (no Brasil cerca de 22% dos inquéritos são convertidos em ações, enquanto que na Região Sul, este índice cai para 19%). [2]

Em quase todos os casos — de ajuizamento de ação ou de arquivamento por outros motivos (denúncia improcedente ou irregularidade sanada sem dano ao erário), o juízo de valor técnico-jurídico do promotor de justiça é precedido e procedido pelo juízo de valor midiático, pessoal e passional. E estes são reverberados à exaustão.

A cada nova ação ou arquivamento, chovem manifestações de apoio ou repúdio de pessoas que sequer têm menor conhecimento do objeto apurado, das provas colhidas e das manifestações exaradas!

Isto mesmo: grande parte dos indivíduos se digladiam nas redes sociais embasadas tão somente no “achismo” e na empatia (ou antipatia) que tem com seus candidatos. Não buscam nem procuram fazer consultas (quase a totalidade dos procedimentos e das ações são públicas) mas mesmo assim ressonam pontos de vista elaborados sob medida, como a nada original desculpa da perseguição ou favorecimento político, por exemplo, para justificar uma ação ou um arquivamento.

Ao adotar um determinado candidato ou uma determinada sigla partidária, me passa a impressão de que muitos cidadãos são “batizados” e passam a estar intimamente ligados com estas figuras, tal qual um torcedor com o seu clube, ou um crente com sua religião, blindando-se às críticas negativas e vociferando às cegas contra os “adversários” políticos.

Por mais que me apeteça discutir política, futebol e religião, a intolerância e/ou a ignorância tem me impulsionado a me manter em silêncio cada vez mais, para manter o tênue clima de paz. Mas, “se paz sem voz, não é paz, é medo”, que flua este desabafo.

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[1] Texto originalmente publicado no Medium.

[2] Dados extraídos da “ANÁLISE DOS DADOS FUNCIONAIS ENVIADOS
PELAS UNIDADES DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM 2008.” do Conselho Nacional do Ministério Público — www.cnmp.mp.br