quarta-feira, 28 de março de 2012

A arte de não dizer nada


Comece divagando. Seja mais abstrato o possível, contornando assuntos contrastantes, vagos e difusos. Questione, pergunte ao leitor. Faça afirmações pseudocoerentes e questione novamente ao fim. E responda o primeiro parágrafo, com uma palavra. Mas não uma palavra que seja realmente a resposta. Apenas uma que o prenderá ainda mais no texto. Mas como? Assim. 

Depois, direcione o texto para aquilo que quer mais chamar a atenção. Vá estreitando o leque de assuntos, focando o alvo. Mas não chegue nele tão rápido. Vá por interpolação, pelas tangentes. Arrisque uma oração óbvia, manjada, com a qual o leitor poderá se identificar. 

Sabe aquele sentimento de conhecimento abstrato que você possui, que você sabe o que é? É exatamente este sentimento que você deve instigar na pessoa que estiver lendo seu texto. Tente exteriorizar o que você pensa de maneira abrangente, procurando causar efeito de entendimento da mesma maneira que você sabe, que você sente saber. 

Dê voltas, prepare o leitor para entendê-lo. Essa preparação deve ser feita enquanto você estiver afunilando o tema. Você sente o conceito e precisa fazê-lo sentir, o que só será possível após ele compreender corretamente as suas dicas.

O clímax é quando você finalmente diz, de maneira concisa, aquilo que o leitor já estava esperando. Ele se surpreende, quando na verdade era aquilo que esperava. O óbvio. Você tinha dado as dicas. Você tinha preparado ele. Já havia dito, de maneira indireta, pela forma como conduzira a argumentação, nos parágrafos anteriores. 

Com a simpatia ou apenas a concordância do leitor, quando estiver ele compreendendo corretamente, sintonizado com sua proposta, sem dúvida quanto ao mérito, então você poderá ousar. Surpreender de verdade. Qualquer coisa que tenha uma semelhança, um elo, pode ser argüido. Até mesmo uma falácia. Parecerá um gênio. “Nunca tinha percebido isso” é a resposta perfeita que ele poderá pensar. 

Seja um pouco redundante, para que ele possa digerir a conexão dos assuntos. Dê dois exemplos, mostre na prática. Use analogias. Faça com que, ao longo deste parágrafo, se torne familiar tal conexão, para que não paire aquela sensação de absurdo. 

O gran finale. Você começou abstratamente, divagando em perguntas aparentemente sem nexo, mas que foram indiretamente respondidas ao longo do texto. Ou seja: se ele voltasse ao primeiro parágrafo, o que não fará enquanto não terminar de ler, encontraria todas as respostas implícitas no texto. Agora, do nada, responda uma das perguntas formuladas no começo. Ou então duas, com uma única afirmação. E não precisa repetir a pergunta, apenas responda. Uma afirmação aparentemente perdida. Soa misterioso, sábio e conclusivo. 

Desta forma, você conseguirá prender a atenção do leitor, e, sejam sofismas, sejam verdades, você o enganou. Como eu agora, sem dizer nada. Sem ensinar nada. Sem acrescentar nada. Apenas pelo prazer de tomar seu tempo e fazê-lo gastar comigo. Foi mal aí.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Subjetividades objetivas

Ah, que saudades desse lugarzinho. Meu cantinho da insanidade, do desabafo, delírio e subjetividade. Desde sempre, me disseram, ensinaram e cobraram: seja claro e objetivo. Eis aí, nestes conselhos, as maiores dificuldades que ainda devo superar, na qualidade de "escritor" (uma hipérbole e entre aspas).

Desde que dei por mim, escrevendo, nunca fui muito objetivo. No meu trabalho, até me esforço. Mas nos meus textos, na minha "redação pessoal", ah, aí sempre foi difícil. Ainda mais com meu especial dom de perder o foco dentro de um determinado texto. Recobrando a razão, nem é sobre meu "estilo literário" que quero escrever.

Hoje, eu quero julgar. Mas talvez seja mais adequado dizer - quero classificar. Classificar você.

Tarefa árdua, complexa e ingrata. Como classificar uma pessoa? Escolhendo um parâmetro. E o parâmetro, paradigma deste texto, não é a etnia, o clube de futebol, religião, beleza ou gosto culinário. É a objetividade ou a subjetividade da natureza de cada pessoa.

Tive esse insight quando assistia a um filme chamado "Se enlouquecer não se apaixone" (título original - it´s a kind of a funny story). Mas o filme pouco importa, foi apenas um comprimido de LSD para o delírio que vem a seguir.

Ao que interessa... arrisco dizer que existem três tipos de pessoas: as objetivas, as subjetivas e todas as demais, que flutuam num meio termo até hoje inominado por este que vos fala.

As pessoas objetivas são aquelas que tornam tudo mais simples, fácil. Decidem, quase sempre no impulso. Não tem tempo ruim, não tem sopesares, não existem outras pessoas para se levar em conta. Levam a vida com mais leveza na mesma proporção em que tropeçam e caem. E levantam.

Os objetivos tem uma enorme dificuldade em lidar com as diferenças, em especial aceitá-las. Quando programam um evento, um cinema ou uma viagem, usam a si mesmos como parâmetros. Exatamente por serem débeis na arte de compreender a subjetividade dos demais, levam em conta o que acham que é bom. Suicídio, para os objetivos, é uma loucura. Gastam tão pouco tempo consigo mesmas que sofrem depressão aguda toda vez que ficam sozinhas por algumas horas.

Sabe aquele cara descolado do colégio, que todo mundo gosta? Aquele mesmo, que não consegue entender porque seu amigo calado não sabe curtir a vida. Ele nunca vai entender, por mais que tente, porque você quis ficar em casa ao invés de curtir "a" balada da semana.

No outro lado do pêndulo estão os subjetivistas. Ah, os subjetivistas. Fazem de qualquer escolha uma decisão espiritual, existencial. Gostam de levar em conta os detalhes, os gostos e as opiniões alheias. Isso quando as perguntam, pois a subjetividade geralmente os fazem refletir mais do que falar.

Suas escolhas não são simples. Também, pudera. Quantas pessoas ele pode afetar com sua decisão? Vou locar um filme, mas qual? Fulano não gosta disso, beltrano prefere aquilo. Que lugar ir? Joãozinho não tem dinheiro para acompanhar essa festa, tenho que pensar em outra opção. Se eu escolher um restaurante a beira-mar, posso piorar a febre do Zezinho. Há quem insista num casamento fracassado pensando exclusivamente nos filhos, pais, sogros e bens.

Os subjetivos são reféns. Reféns de suas escolhas, escravos das suas dúvida, quase sempre sujeitos passivos em suas próprias vidas. Quando muito, importantes coadjuvantes que se empenham no brilho estelar de seus amigos cativantes, empáticos e tão... objetivos.

Introspectivos, reflexivos, observadores e, quase sempre, melancólicos. 

Falta ainda falar da "terceira classe", aqueles que se encontram no limbo não muito claro que permeia ambas personalidades antagônicas. Aqueles cujo pêndulo não alcança as extremidades, graças ao equilíbrio. mas... não será mais necessário.