Diz o velho ditado que "os olhos são a janela da alma". Eu diria que, se há algo que transparece a verdadeira essência das pessoas, este não seriam os olhos mas sim os dedos. Ou, mais precisamente, a Internet.
Qualquer rápida navegada pelos seus 7 mares e logo constatamos que nela existe mais detritos e sujeira do que em todos os oceanos de água salgada. Nem os milênios de poluição contínua é capaz de fazer frente ao lixo produzido diariamente nos poucos anos em que a rede mundial de computadores está ativa.
Ao dizer sujeira ou lixo leia-se qualquer coisa que não tenha utilidade alguma e que possa (e deva) ser descartada de imediato. E tudo que instigar a intolerância e a insensibilidade se encaixam perfeitamente na ideia de "jogar fora". Talvez estes sejam ainda pior, porque o lixo que polui os oceanos um dia foram úteis ao ser humano, ao contrário de muito juízo de valor que se prolifera nas redes sociais.
Este mar de imundice é ainda mais cruel conosco, náufragos à deriva, pois precisamos remar contra a correnteza e em meio a esta pilha de dejetos como o ódio, a indiferença, preconceito e o narcisismo, dentre outros.
Um ponto que tem provocado uma profunda reflexão neste que vos fala vos escreve é a quantidade de puritanos arremessando pedras e despejando gasolina na fogueira da intolerância. Falar que vivemos a era do politicamente correto é redundante, mas eu nunca vi tamanho julgamento moral sobre qualquer erro, vício, irregularidade ou mesmo ilegalidade que alguém tenha cometido.
Errar tem sido desumano.
O mínimo deslize gera um tsunami de comentários, artigos, postagens e piadas que tem por objetivo tão somente macular, desprestigiar e difamar alguém que... errou. Como qualquer um de nós. Um motorista embriagado ali, uma piada de mal gosto ali e logo estamos discutindo a pena de morte por qualquer tostão furado.
As pessoas erram e, de acordo com a natureza deste erro, estão sujeitas a uma série de sanções (administrativas, civis e até mesmo penais) além, é claro, da reprovação moral e social. Mas estes têm se mostrado cada vez mais imprudentes e desarrazoáveis.
Não basta mais responder por um crime, como um certo exemplo bem conhecido por todos nós, de racismo; é necessário linchar moralmente, queimar a casa da pessoa, fazer perder o emprego, mudar de cidade e ainda causar trauma psicológico para o resto da vida.
Gosto do existencialismo exatamente por crer que ninguém é um adjetivo. Ninguém é criminoso, covarde ou herói. As pessoas cometem crimes, fazem escolhas ora heroicas, ora covardes. E isso não se confunde com ela. Estes são os meios, e não o fim em si, que é a pessoa. Tanto é que o direito pune não pelo que se é, mas pelo que se faz. E há, ainda bem, sempre uma outra escolha para se fazer.
Ninguém é perfeito, mas quando abro o Facebook tenho a impressão de que vivo em outro mundo. Um mundo onde ninguém nunca cometeu nenhum pequeno deslize e as pessoas ficam com as câmeras e celulares prontos para flagrar qualquer descuido, uma paradinha numa vaga preferencial, uma saída mais cedo do trabalho, uma guloseima fora do regime.
Errar, me atrevo a lecionar, é um verbo transitivo que admite a conjugação na primeira pessoa do singular. Não se assuste quando lhe ocorrer.