Todos os dias, antes de dormir, passo por um estranho ritual. Quando me deito e fecho os olhos, abre-se, instantaneamente uma, duas, milhares de janelas em minha mente que passa a divagar, acelerada, num ritmo frenético, idéias e idéias sem fim.
O ritmo com que fluem me faz cogitar, às vezes, que no silêncio da noite, na solidão dos meus pensamentos, ouço vozes.
Mas elas não me sussurram palavras; inspiram idéias. Tenho a impressão de que sou cercado por espíritos que, invocando minha mente, me fazem delirar. Eu, por costume, as ignoro, com a clara certeza do posterior arrependimento.
Quase sempre são idéias mórbidas, fúnebres, depressivas e, ao mesmo tempo tão... tão encantadoras. Reforça-me a idéia de que são obras dos espíritos, pois tais serenatas de beleza à morte somente poderiam ser frutos de quem já não vive mais.
Mas, como sempre, deixo as idéias fluírem, regozijo-me com esporádicas sensações de criatividade, originalidade e genialidade. Após alguns minutos me acalmo, meus pensamentos desaceleram, voltam-se para objetos mais mundanos e, por fim, estanco este outro ser que vive em mim. De volta à minha jaula, permito-me dormir e, como sempre, esquecer tudo que pensei.
Não sei sobre o que eu pensava ontem. Só sei que era triste e encantador. Devia ter anotado. Mas não o fiz. Eu dormi e encerrei para sempre alguma idéia que poderia ter dado um belo poema. Ou, quem sabe, inspirado uma morte.